Em certas circunstâncias, o homem volta-se contra si próprio. Quase sempre, quando o faz, precisa de desconsiderar e até mesmo de desprezar imensos grupos de semelhantes. A primeira metade do século XX representa um dos maiores períodos de amesquinhamento das populações, dos trabalhadores braçais, das mulheres mães, das crianças de miséria. O trabalho agrícola sazonal, pela massificação das movimentações da mão-de-obra e pelos cíclicos abandonos de gente faminta foi, em Portugal inteiro, uma das piores chagas sociais e humanas. Representou uma brutalidade sem fim, marcando gerações que, saindo para a indústria, para a estiva ou para a emigração, continuavam a ser humilhadas e esmagadas sob o peso da fome e do ostracismo. No Alentejo, o trabalho sazonal teve grande visibilidade até muito tarde. Em outras regiões, tratava-se apenas do problema da fome e da emigração, ou seja, escamoteava-se a organização do trabalho.
Como assinalámos no nosso "A Reforma Agrária em S. Manços", "O elevado grau de sazonalidade do trabalho poderá ser imputado à ineficiência das explorações e, até, à incompetência de muitos lavradores, fazendo-se paralelismo com alguns estudos internacionais sobre a sazonalidade agrícola."
Hoje, uma das principais pechas do pretendido regresso à agricultura é a desconsideração do trabalho sazonal. Trabalhando apenas alguns meses, ainda que 7 ou 8, com salários mínimos, nenhuma família se constitui com o mínimo de dignidade. Pelo contrário, é muito importante que se saiba que a a vinha e o olival regados, o regadio comercial intensivo e algumas outras formas modernas de poluição agrícola (na lógica do "tira hoje o que podes, que amanhã alguém há de pagar") são belos negócios, com grandes ligações em cadeia ao capital financeiro, aos grupos da distribuição e ao cerne da CEE e da PAC. Exige-se que o discurso pró-agrícola seja confrontado com a questão do trabalho. Do CDS ao PCP o silêncio, neste ponto, é comum e intrigante.
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